segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cadeirinha

Hora de colocar minha cadeirinha na varanda. Também é essa a hora de ver o nada virar coisa nenhuma. Sobe e desce, sobe e desce. Os carros sobem e descem a minha rua. Rua do Cosme Velho. Não digo o número. Não gosto de visitas.
Estou rabugento hoje, sim. Estou porque é hora de posicionar a cadeirinha para escutar o silêncio mas essa mesma cadeirinha me interrompe com seu nhec-nhec. Parafuso velho, é isso.
Sabe que essa cadeira de balanço pertenceu a papai? Nasceu em 1907 e morreu no dia dois de fevereiro de 2001,aos 94 anos, às três horas da tarde. E nessa cadeira, veja bem.
É, meu caro.
E como é hora de colocar a cadeirinha na varanda, eu fico esperando o relógio badalar as seis horas. Dois adolescentes sobem a rua de mão dada. No meu tempo? Pouca vergonha. Um joão-de-barro chega em casa. Longo dia, longo dia.
O cheiro de sopa de batata com pão. Nada melhor do que jantar cedo, na minha cadeirinha. Manta bem posicionada nos joelhos. Respira, inspira. O pulmão é uma coisa curiosa, certamente. Cigarros desde os quinze e ei-lo!
Quando se é velho a gente volta a ser criança. Mas eu não gosto muito de crianças. Elas fazem muito barulho. E não respeitam os mais velhos.A benção, pai. A benção, mãe. Que nada! Esses jovens de hoje em dia nem sequer querem ser abençoados! Eles querem paquerar, é isso que eles querem!! Na minha época, só se paquerava na praça, ao longe.Com piscadelas.
Mas chegou a minha sopa de batatas. Mamãe costumava fazer essa sopa aos domingos. Sim, aos domingos. Ou não?
Não importa. O que importa é que hora de botar a cadeirinha na varanda.

domingo, 25 de setembro de 2011

Vil Destino, seu final o aguarda.

Não consigo escrever! Estou inspirado, percebo isso... Mas... Não consigo escrever, não sai nada. Provavelmente me encurralarei no fim deste parágrafo, a não ser que lance perguntas na esperança de produzir um bom texto a partir delas. Porque isso? Porque minha mente de antigo escritor já não funciona mais? Precisa esta alma de tristeza para soltar letras? Que tipo de lógica é essa?

Leio meus antigos textos, todos eles cheios de metáforas, todos eles cheios de angústias, tristezas e ódios. Todos eles tristes, mas todos eles excelentes textos, modéstia à parte. Até agora eu só escrevi palavras insignificantes, nada profundas, nada interessantes. Leva a perguntar-me quem teria a paciência de ler isso.

Então é isso, corpo e alma? A palavra não pode existir sem o frio gelo da depressão? Se o tempo me prometesse uma carreira de escrita famosa, rica, confortável, abundante em tudo, onde nada fosse ausente com a condição de ser triste... De que me adiantaria? Quem escolhe ser triste e ser rico?

Muitos aí são desalmados como os destruídos Nazgúl, mas não eu. Eu preciso, necessito intensamente do fogo da paixão, fogo mais ardente que o que a própria Montanha da Perdição oferece. Já fui frio, já fui triste, já fui um “Compadre” (permiti a mim mesmo, aqui, introduzir certa intertextualidade), sim. Mas não pretendo sê-lo de novo, não hoje, não com ela, não! Aqui, de novo, digo ao destino: Não! Eu o impeço (perdoem-me por outra).

Ordeno-lhe como apenas O Hobbit tem autoridade, com Ferroada empunhada, que vá bater em outra porta, pois “you shall not pass” (mais uma). Você passou da outra vez e talvez deva agradecer por isso, realmente! Mas por essa, por essa você não passa, você não é forte o suficiente, sua lâmina antes tão fria e perfurante derreteria no fogo invisível que aqui existe, que aqui não apaga e nem foge.

Portanto, destino desgracioso, porque não foge antes que lhe meta o rabo entre as pernas? Antes que seja derrotado como o grande Balrog de Moria fora pelo meu velho amigo Gandalf? Sabes muito bem que “size matters not”, como diria Gimli, aquele anão rabugento. Fuja e não volte mais, desapareça, pois a Ferroada agora é coberta por um fogo mais ardente que o de mil sóis, agora é mais afiada que as lâminas de Elendil.

E serei eu, seremos nós a nova lenda viva da Terra Média. Nós seremos os que afugentarão o cruel destino, seremos os que inspirarão outros a fazer o mesmo, seremos nós os que sobreviveram. Lembre-se dessas palavras, destino pútrido e vil, pois são elas que proclamarei quando o destruirmos. Prepare-se, velho amigo, aqui estou eu com a espada, esperando ansiosamente por suas distintas batidas em minha porta de madeira. Venha, venha para o seu destino. Seu final destino.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A respeito de um céu e de borboletas.

Olhei pela janela de minha casa essa tarde: uma lagarta estava instalada na parte de cima, se metamorfoseando. Casulo preso ao nada, curvado. Um útero em minha parede!
Queria pegar o casulo. Aninhá-lo. Dar de mamar. O bebê logo nascerá e eu não o verei mais.
Abri outra janela em minha casa e vi que o céu estava no chão. Perguntei-me quem o teria derrubado. Quem teria desparafusado as estrelas. Eu não ouvi barulho algum de baque.
Então eu fiquei pensando nos que estão perdidos. Seguirão que luz que os guiarão para casa?
Tentei levantá-lo. Recusou-se. Pensei em chamar Van Gogh para pintá-lo refletindo ao contrário. Nada que um pouco de tinta não resolvesse.
Não. Não porque, olhando bem, o céu parecia mais bonito visto de cima. Assim como o casulo parecia mais bonito enquanto casulo.
Eu disse para uma estrela cadente que eu a pegaria, a consertaria, e a levaria para morar comigo e com o casulo. Talvez ela pudesse morar dentro do casulo ( e se de dentro de casulos nascessem estrelas?).
Descobri que a estrela morrera há muito tempo. Que aquela era só a lembrança, que continua cintilando através dos anos.
Então resolvi deixar o céu no chão. Fechei a janela. Olhei para dentro e vi que os relógios andavam ao contrário. Percebi que o tempo estava se esgotando, ou antes, percebi que o tempo estava voltando. Soldados voltando da guerra antes de ir, pessoas voltavam a respirar antes mesmo de morrer.
Ai eu só pedi a Deus que ele deixasse as coisas como estavam. E que ele cuidasse do meu casulo.
Porque, assim como o céu, alguém me desparafusou e largou-me no chão; assim como o relógio, meu tempo andava de costas, e assim como o casulo, eu brotaria da velha carcaça e viraria borboleta. E, enquanto borboleta, eu seria livre.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Palavras esparsas.

Vontade louca de assitir a um músical. Seria capaz de cantar Memory, vestido de gato. De cima de um telhado. Vontade de prender entre os dedos a voz de uma cantora de ópera.
Nunca soube o que fazer com as coisas que gosto. Aguém disse em algum momento. Um passarinho canta lá fora, dando tudo o que seu pequeno pulmão permite, competindo com o tenor que eu escuto aqui dentro (coração?).
Se pianos fossem comestiveis, eu os comeria todos os dias, só para sentir suas notas músicais saindo de dentro de mim, através de minha - de minha!- boca.
Vontade louca de só ver pessoas que tenham algo a dizer. A casa em obras já está farta de tanto ser martelada, como um marido chato que fica a mumurar no ouvido de sua esposa, não o que deveria. Palavrões.
Exatamente como sentir-se nu, assim é estar entre dois pontos. A maior distância é a que está entre esses dois pontos. E acho que aí também se encontra a solidão. E antes que alguém diga, não há nada de errado com a solidão, ela é bela quando é sentida em sua plena companhia.
Niguém fica inspirado, a inspiração não acontece, a inspiração é. Existe e pode ser absorvida a qualquer momento, tanto quanto o oxigênio. Mas pelo Amor de seu deus! Olhe em volta: você quer inspiração e ei-la; qualquer coisa toma forma, porque nada existe por si só.
A poesia do mundo consiste em ser o mundo a prórpia poesia.
E você pode ser lindo na medida que quiser. Porque só um fútil não o veria. E ninguém precisa de fúteis.
A intolerância é tão pútrida que o prórpio intolerante começa a sentir em si um cheiro podre.
Então vista um vestido leve, com flores; calce um chinelo ou então não calce nada, deixe os cabelos soltos e cacheados ao natural. Deite na relva. Sinta as cerdas da grama. E espere que você mesma se interrompa.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Dia Negro (1968)

Eu escrevo - ai escrevo, meu Deus!escrevo! - porque já deve ter recebido um oficial em nossa casa. Helena, peço simplesmente que não me faça maiores perguntas a respeito do que se passou, nem sequer acredito que queira realmente saber.
Eu que achava que a guerra já tirara todo o sangue , todo o meu sangue necessário, agora tira absolutamente todas as minhas lágrimas...Deus sabe (Deus?) o que venho passando desde o falecimento de nosso querido Jack. Porque todos nós o amávamos, Helena.Todos éramos apaixonados por ele. Talvez tivesse você o maior dos amores, mas tinha eu a maior das amizades, e era fiel a essa amizade. Querida, eu lhe juro que se estivesse em minhas mãos naquele momento agir de qualquer maneira para evitar que a Morte cumprisse seu honorário, eu juro sim minha irmã que teria feito! Creia-me.
O corpo do nosso estimado vai ser enviado de volta à América juntamente com os demais, e juntamente com o meu que não me parece vivo. Volto, Helena. Enfim subirei do inferno ao purgatório.
Torça por mim em meu julgamento, porque não sei se serei absolvido.

Despedaçado,

Dança Com Lobos.

domingo, 18 de setembro de 2011

1978

Oito horas. Essa foi a hora em que soube da morte de Jack e é essa hora que marcam todos os relógios de minha casa. Minha vida parou naquele momento, por isso achei que faria sentido parar os relógios também.
Lionel voltou da guerra,pois o ferimento em sua perna tornou impossível seus serviços no exercito. O corpo de JJ também voltou, dentro de um caixao, acompanhando de outros mortos. Eu não tive coragem de ir recebê-lo, fui apenas no enterro para vê-lo pela ultima vez. Lembro-me exatamente, o discurso do padre, as flores, o caixão descendo, descendo...depois tudo virou escuridão.
Fui perdendo o interesse pela vida, ninguém conseguia me ajudar, eu simplesmente não queria ajuda, foi então que...bem, eu não me orgulho de ter feito isso, mas prometi a mim mesma dizer toda a verdade a você,...eu tentei me matar, enchi-me de remédios, de vários tipos, mas Lionel encontrou-me caída no chão do quarto, levou-me para o hospital e os médicos conseguiram me salvar. Depois disso fui obrigada a um tratamento psiquiátrico e acho mesmo que funcionou, mas cá estou, internada num hospício!
Enfim, eu não tentei o suicídio novamente, mas nem por isso minha vida melhorou e, sem nenhum interesse meu por ela, o tempo foi passando. Os Estados Unidos perderam a guerra,- e Lionel, mesmo não dizendo, sofreu muito com isso - meu irmão e Cathy se casaram e papai adoeceu. Quanto a mim, passei a me isolar cada vez mais em meu próprio mundo.
Foi então que aconteceu, dez anos se passaram desde a morte de JJ, estávamos em 1978 portanto. Eu lia um livro qualquer, numa noite em meu quarto, exatamente as oito horas, quando o vi. Sim, JJ estava lá, parado em minha porta, sorria para mim da maneira mais doce possível. Foi um susto tão grande! Corri ao seu encontro, mas ele desapareceu, não estava em lugar nenhum, mas não importava, meu amor estava vivo!
Contei a papai e Lionel imaginando que eles ficariam radiantes, mas eles não acreditaram em mim, acharam que eu estivesse "vendo coisas". Mas JJ estava vivo, eu tinha certeza!"

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

こけし

Vejam, que bela noite para amar, que bela noite para dançar e cantar na chuva, que bela noite para ser amado. Apenas eu e você, um ambiente perfeito, decorações japonesas pelo espaço amplo e vazio; a melhor de todas era você, tua beleza, teu sorriso, teu andar, teu olhar, teus lábios de mel.
O Hobbit pensa o que fez para merecer tudo isso, o que fizera de tão bom. Mas, aí, O Hobbit lê teus antigos textos, os sofrimentos contidos neles, marcantes, cortantes, frios, destruidores, invejosos, (esquecidos). Fora isso. Assim, ele pensa: “Não somos nós que devemos sentir todas aquelas coisas do passado, minha querida, deixemos outros com um pouco de ciúmes, um pouco de inveja. Já está na hora de termos nossa felicidade”.
Risadas ao ar, leves, suaves, aveludadas, subitamente apagadas por meus (ou teus) lábios invasores, muito bem recebidos. As mãos com dedos entrelaçados, passando pelos teus cabelos de pontas de um fogo ardentemente invisível. Um perfume tão bom que tua pele parecia embrulhada em rosas rosas, cheirosas, amarelas, macias, brancas, graciosas, vermelhas, cravadas, azuis, ondulantes, prateadas, perfeitas, verdes, perfeitas, laranjas, perfeitas, douradas, perfeitas.
O sono não surge, mas o tempo chega e chegou rápido. A hora do adeus, a hora em que estamos cientes das saudades que surgirão, da vontade de permanecermos juntos, que sempre existe, aflorar. “Adeus”, digo e nossos lábios se abraçam à frente de seu portão, lábios que não querem se soltar, mas sem outra escolha, se reverenciam; Um dos lábios despede-se com o abanar de seu vestido de flores, o outro retira o chapéu em respeito e assim se separam. Olhos nos olhos, perco-me nos teus de chocolate, tão doces e convidativos. Até que os desvia e adentra em sua moradia, volto-me para o carro e sigo em direção à meu lar, já com saudades de sua mão apoiada na minha. Entrelaçada.
Chego, converso novamente com meu amor, inspiro-me, escrevo, vocês leem e eu durmo em paz, aproveitando meus sonhos onde ela não participa, onde eles participam da parte dela da minha mente e coração. Uma boa noite à todos que estão a ler este simples e feliz texto, que vocês todos consigam tal felicidade.

Conversas que tenho comigo.

Nascendo ou morrendo, o caso é que todos acabaremos em fraldas. Peguei um espelho hoje, desses pequenos que se equilibram na penteadeira bamba - as mulheres de hoje não as usam mais, uma lástima - moldura laranja, reflexo deteriorado...vi o Velho MacGregor mais velho do que ontem de manhã. Cabelos rareando, pele fina e fazendo dobras. Levantei as mãos mais trêmulas do que o Mal de Parkinson; estiquei o indicador. O indicador do outro lado também se levantou, tão fino e tão branco quanto.
Comecei a aproximá-lo, atento a qualquer movimento que o outro também fizesse. Aproximou-se também o dedo do Velho MacGregor, um pouco hesitante, sem saber se deveria. O meu enfim tocou o espelho, e enfim o indicador do Velho resolveu me tocar também. Assutei com o movimento brusco e retirei de repente. "É MacGregor, envelheceste, velho companheiro". Ele sorriu em reposta. Disse que concordava e que eu também já não era o mesmo reserva do quinto batalhão do ano de 1944. Robusto, sagaz. Rapazola.
O Velho deu uma olhada para trás, como se entrasse alguém. Deixou um pouco o espelho e voltou em seguida. Olhei-o ai mais atentamente.Estranhamente cedi ao meu impuslo de tocá-lo no rosto. O MacGregor estava gelado como defunto! Quase achei que estivesse batido as botas. Ai lembrei de levar as mãos ao meu peito e sentir o tum tum. Ritmado. Mas fui sentir um tum...tum...tttt...tum.
É, também já não era mais o mesmo.
Deixei o espelho. Mas fiquei com a velhice, bem ali - não mais no reflexo- mas nas batidas do meu velho motor.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Infância da velhice.

-Texto de Apresentação.

Quando eu costumava ser jovem, tanto quanto você meu rapaz, eu não o era. Tinha as faces rosadas, as mãos lisas, cabelos onde eles deveriam estar...mas já sentia os meu órgãos a enrugarem dia após dia. Acreditava que sofria do mal da porgéria, você sabe. O que eu quero dizer é que sempre me senti velho.
Não pense que sofria com minha velhice precoce. Ser velho era e ainda é, agora que posso sentir a velhice nos tremores das mãos e nos sinais da osteoporose, o meu porto seguro.
As pessoas acreditam ou pelo menos pensam uma vez na vida que ser velho é cheirar a urina e varrer a calçada de manhãzinha. Mas não é, meu rapaz. Ser velho também não é simplesmente ser sábio. É já ter vivido. É já ter visto, talvez com alguns dissabores, tudo aquilo que os jovens imaginam com tanta angústia. É já ter visto tudo que se poderia ver, é conhecer tudo o que os moços e moças pagariam milhões para saber. Ser velho é contar enquanto respira e inspira, ainda que seja pra se ter certeza se estamos vivos, mas observando, sentindo realmente a respiração que nos permite sê-lo. É poder ter apenas nas rugas ou nas costas curvadas as marcas de sofrimentos e problemas, mas não mais na cabeça.
Estar velho é estar satisfeito por ter cumprido a missão de viver. É saber que já estão passadas todas as fases da vida, ainda que não plenas, mas experimentadas. Ser velho é estar na outra ponta da vida, para começar a atividade de atar as duas pontas e analisar se valeu a pena. É estar no último degrau e poder estender a mão para os que ainda sobem, como você.
Éh, bem. É por tudo isso. As pessoas sempre me perguntaram porque eu gostava tanto da velhice. É por tudo isso.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A trindade

Fulano: Sabe de uma coisa? Existem canalhas em todos os grupos.
Sicrano: Quem de nós?
Fulano: Existem, sempre. Pagãos ou cristãos, jovens ou idosos, seguidores de Lennon ou colecionadores de carros antigos. Alta sociedade. Simbolistas, amantes de canetas coloridas, intelectuais do Japão. Sei lá, pode ser qualquer um. Existem.
Beltrano: É relativo, meu caro. Não pense como uma construção sólida de Niemeyer: isso é um poema de Pablo Neruda. Esqueça um pouco minhas equações eletrostáticas, não se soma essa falta de noção à nossa falta de sentido: é caótico demais, canalha demais. Não seja.
Sicrano: É impossível fugir, somos presidentes da nossa própria cela, você raciocina tanto que mal pode enxergar além das linhas do caderno, fica acorrentando suas asas o tempo todo. Tão só.
Fulano: Ah, não. A síndrome da vítima, de novo, não. Não caia nessa, Beltramo.
Sicrano: Vocês é que são ingênuos. Drogados de frustração, são tão canalhas quanto eles. Tão bipolares quanto Shakespeare. (Não sei se ele sofria desse transtorno, mas instigado, apostei.)
Beltrano: O cálculo é variante. Basta conhecer e você se contaminará. Aqui, às vezes, 2 -1 é igual a 0. Não vivo sem aquilo que me vive. Que me faz viver. Somos tão zero quanto qualquer vazio por aí, a não ser que dois qualqueres cheguem para nos completar.
Fulano: Quem são os canalhas daqui, então?
Sicrano: Eu nunca quis saber.
Fulano: Também nunca conseguiu enxergar.
Beltrano: Admitam um espelho enquanto continuo a procurar respostas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mais do mesmo

Depois de certo tempo, Maximillian Sheldon nunca tinha se divertido tanto na vida, pois largou tudo o que lhe era conveniente e decidiu viver de verdade, decidiu pular do seu precipício interior, decidiu sentir o vento na cara para descobrir se isso era, afinal de contas, bom ou não.
Maximillian Sheldon se achava perfeito, e quase era. O tédio narcisista o consumia às vezes, mas por sorte eu em
baçava o espelho e a gente voltava a passar horas e horas juntos, deitados, se contentando apenas com a respiração alheia.

Maximillian Sheldon era muito suspeito, também, pudera: depois de tanto mistério na vida, nada mais justo do que instigar um pouco os outros. Me deixava recados e incógnitas indecifráveis e adorá
veis aos pés da cama, na geladeira e dentro do carro. Maximillian Sheldon era um pouco pervertido, mas sobre isso, prefiro deixar em off. Jackie tem uma imagem avassaladora, mas não pejorativa, né.

Eu vou matar Maximillian Sheldon... Vou s
ufocá-lo em frases, em dores, lambidas, cheiros, purezas, colos, notas musicais, cartões, segredos, unhas, poses, risos... Eu vou matá-lo ainda tantas vezes...

R.E.M.

Escuta, eu continuo respirando. Ouve, bem aqui no meu peito. No fundo, nesses furinhos, você está ali. Com todos os poemas, todas as horas. Todas as velhas notícias de jornais e os tristes extratos bancários: até dos cheiros você se esqueceu. Me encontra. Me escuta, só dessa vez. Me olha, olha meu colo, olha eu aqui, partindo, olha para você, tão fixo. Olha esse espelho, me diz o que estamos procurando.