quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Juramento.

Eu juro que tomarei o universo em minhas mãos e o multiplicarei a milésima potência.

Juro também, que seja solenemente, que seguirei uma manada de búfalos e sairei vivo.

Juro, ainda, que comprovarei que o mundo é matemático através da teoria da relatividade.

Acrescento, também, meus caros, que passarei - veja bem - em praça pública, um elefante pelo buraco de uma agulha, jogarei esta no palheiro e a encontrarei!

Farei, quem sabe, a travessia do Estreito de Bering refazendo os passos de nossos antepassados.

Produzirei uma Lua de Mel comestível. E serei rico por isso!

Voarei até o topo, qualquer seja esse topo que um tal de Sinatra costumava falar.

Aprenderei a tocar gaita com Bob Dylan.

Não direi que aprenderei a tocar guitarra com Hendrix. É muita prepotência...

Comprovarei aos tolos que a Literatura é maleável e que a escrita não possui moldes. A arte não tem sexo, bula ou manual de instruções. Usemos como quiser!

Explicarei do alto de um monte a metáfora do Gênesis.

Eu juro, juro mesmo, que comprovarei aos críticos literários que eles nunca conseguiriam fazer melhor.

Eu poderia jurar qualquer coisa. Eu poderia fazer qualquer coisa insana. Afinal, quando não se tem nada não há nada a perder. Poderia dizer, dizer, dizer. Poderia encher páginas e páginas de promessas e algum idiota poderia continuar lendo todas e acreditar. Eu só não sei se eu me renderia às promessas. Eu só não sei se eu mesmo acredito no que eu digo. Não sei..não sei se acredito em minha própria palavra de honra.
Como poderia prometer algo a outros se nem eu mesmo sei de mim?

Lamento.

Ai de mim! Pobre ourives - eu - que em minhas mãos, tremulas, pousa a pedra fundamental , filosofal ou ainda, se me permite, o elixir existencial.
Ai de mim, que de velho só trago o espírito. Escorrego pela beira da cadeira , em espanto, e me contorço tomado por uma apoplexia da alma. Ergo, em delírio, as mãos - aquelas mesmas de ourives- ao céu, ou antes ao teto, e exijo categoricamente o reembolso daquilo que perco.
E não perco, senão, o tato. Instrumento fundamental para as tentações humanas...Mas ai, que querem? Que querem que lhes diga, seus diabretes subversivos?!
Espere: eis que respiro. Aos poucos apoio-me unicamente nos joelhos e arranco de uma só vez e de um só gemido todas as facas cravadas em minhas mãos de ourives.
Não são as chagas abertas ou a carne que se rompe o meu maior motivo. Ei-lo: ali, no canto mais escuro, da sala mais pútrida esconde-se, envergonhado de si mesmo, o moleque descalço.
Impertinente!Impertinente e infame é você e desonra é a sua profissão!
Suma daqui que...ai, que dessa carcaça eu ei de cuidar. Cuido eu e cuidarei assim que me entregarem a sua cabeça em uma bandeja de prata.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Fogo e água


“E lá vai o Hobbit se aventurar de novo”, eles diriam. E disseram. Lá vou eu de novo me aventurar, no fundo e vermelho lago do amor. Prendo a respiração e pulo da arca, naquela lava gelada, feita vermelha pelas lágrimas de sangue dos que não tem a coragem de pular, dos pulsos cortados, das angústias vomitadas e nunca esquecidas.

Acho que Camões estava certo, amor é, realmente, fogo que arde sem se ver. Pois aqui estou eu neste gélido Mar Vermelho ao qual congelaria, mas não! Sinto um calor, um calor que provém de meu coração, e me protege. Acho que é esta a prova, aquele que da arca pular antes de realmente amar, se congela. Não congelei, isso é um bom sinal.

Apenas nado e nado, sempre em frente com pausas para respirar. Quando me canso, quando já não quero mais, paro e penso: “Continue a nadar, continue a nadar” e lá vou eu novamente procurar meu amor, minha vida. Passo séculos nadando ou, pelo menos, o que me pareceu séculos. Não encontrei nada além de medo de não encontrar nada.

Vejo ao fundo, em uma fenda escura dentro de toda aquela vermelhidão, uma luz dourada e apresso-me em sua direção. O que será isto? O nervosismo me corrói, parece que quanto mais nado, mais demoro a chegar. Passo pelas fendas, pelos obstáculos tão maldosos e grudentos, mas chego. Óh! Vejam só! És o que eu procurava, és o que eu sempre quis, és mais ainda que isso. Óh, venha, junte-se a mim, já estamos a muito tempo sozinhos. Lágrimas invisíveis naquele mar, entre um abraço, entre vários abraços, entre mãos entrelaçadas, beijos apaixonantes.

Penso nos obstáculos, no passado, nos traumas, em tudo que me segurava e olho bem para eles e digo: “Bobeira!” – Até acho que passei por pouco para receber tudo isso como recompensa, toda essa paixão, essa apreciação... Por mim? Ha, parece até piada da vida. Mas não é, este é o agora, é o finalmente, é o que esperávamos, é o que sempre senti falta e o que nunca tive. Este sou eu, O Hobbit, acompanhado, amado, apreciado, feliz.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Diálogo, Shakespeare .E cigarros.

-Ora essa, ora essa, chéry. Desconheço você.
Deu uma baforada no charuto. Puro, obviamente.Naturalmente toscano.Mas uma dama que se preze não perde a pose sequer em momentos esfumaçados. Não tossiu, nem demonstrou incomodo. Ao contrário, acendeu um cigarro, daqueles que se posiciona na ponta de algo parecido com uma batuta.
Abandonar o teatro logo no terceiro ato, cena I, de Hamlet não era coisa comum ou que passasse despercebida. Nem se tratando de um cavalheiro, quem diria de uma mademoiselle. Mas digamos que a senhorita em questão já vivia internamente um momento ser ou não ser, dispensando a máxima shakespeariana.
Montou uma expressão desdenhosa. Não a melhor que pode, pois necessitava ser pega na falsidade.
-E eu digo o mesmo de você, querido. Século vinte, ninguém se aventura em teatros. Apague o charuto.
O homem fingiu não escutar a ordem. Recostou-se na parede.
- É Shakespeare. Dispensa a contagem dos séculos. Como atua mal,você.
Ela riu-se. Forçosamente, diga-se de passagem. Tragou.
-Ou você percebe de menos, querido. Pois é exatamente por isso, Shakespeare ultrapassa a capacidade intelectual de 90% da população.
Calaram-se. Um casal de braços dados saiu do teatro e passou pelos dois.
-Como esses dois. Tolos.
-Conhece?
-Não. Mas a humanidade é previsível.
-Você se encaixa nesse grupo, chéry.
-Para toda regra há uma excessão.Sempre, destaca-se.
Riu da própria piada rápida. O cavalheiro não pode deixar de apreciá-la nesse momento.
-Você poderia ser grande, querida. Você poderia ser Rita Hayword.
Jogou o cigarro no chão. Ficou olhando apagar a labareda que ainda queimava por dentro. Ela.
-E você? Clark Gable?Não, eu poderia ser eu mesma. Eu poderia assistir Shakespeare.
Ele apontou para a entrada do teatro.
-E por que não o faz? Quer que lhe estenda um tapete?
-Sabe, Clark, isso seria previsível. Detesto pessoas previsíveis. Como você.
Disse isso, deu as costas ao ouvinte e tomou o caminho da calçada. Estacou.
-Tem mais?
Ele tirou um maço de cigarros do bolso interno do paletó. Jogou-lhe.
-Como sabe que eu fumaria mais de um esta noite?
Ele sorriu, arrumou o chapéu.
-Você é previsível querida, e comum. Você é previsível. E se odeia.





terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um problemão que eu tinha.


Maximillian Sheldon era um detetive. Foi em Agosto, talvez Setembro, a primeira vez que trocamos olhares duvidosos. Ele, tão reservado. Eu, tão quente. Dois desconhecidos à procura da loucura...

Patrulhando casos que eu nunca tive, detalhando cada gota de suor que escorria da minha pele, sofrendo para me entender, ele se tornou a minha fuga, minha válvula de escape dentro dessa bol
ha sem ar condicionado. Convívios estupidos não me atormentavam mais, nem os idiotas ao meu redor sugavam minha paciência. Agora ele era, ele era quem me borbulhava, quem me tocava, era meu céu, minha baunilha, era a minha sorte inventada. Maximillian Sheldon me fazia andar na linha. Na linha da pergunta que não queria calar...

Aos poucos, fui fingindo não ser vulnerável, não ser manipulável. Era, e muito. Num delírio, tive a ingenuidade de acreditar que o enganaria. Muito pelo contrário. Maximillian Sheldon me investig
ava. Olhava fundo em cada cicatriz: abria, uma a uma, para examinar. Colocava os dedos, sangrava a ferida, "desmachucava" qualquer vestígio de ilusão. Maximillian Sheldon me incomodava. Insistia em me chamar de Jackeline, dizia que assim era mais sexy. Perguntava sobre a minha mãe, sobre o meu passado, sobre o meu sabor de sorvete favorito e se preferia ir à Suiça ou passar as férias na Bahia ouvindo Caetano na praia. Me comprava discos antigos de vinis, só por que, certo dia, descobriu meu sonho (quase) secreto de fazer alguma coleção de algo que não fosse entediante.

Maximillian Sheldon era tão consciente. Me ligava as 03:48 da madrugada para dizer: "Acordei. Sonhei com você." Era viciado em ler o jornal de domingo, só para ver se descobria alguma notícia nova e legal que pudesse me contar depois. Gostava também das tirinhas e tinha mais de 29 gravatas no guarda roupa, sim, eu contei. Maximillian Sheldon era muito exigente. Não queria uma meia mulher: me desejava por inteiro. Não queria cinco minutos ou fifty fifty, ele gostava era dos defeitos junto com as qualidades, gostava de carne e não de plástico, queria ser poeta e não mais dete
tive. Exigia a verdade, a existência, o nosso ponto forte.

sábado, 6 de agosto de 2011

Agora sim, a razão de tanto sofrimento

"Muitas coisas aconteceram durante a guerra, as cartas foram se tornando cada vez mais escassas, JJ se feriu em uma batalha - nada grave, para meu imenso alívio! - e Lionel finalmente mudou sua opinião. Ele passou a odiar a guerra e todas as suas consequências, o contato com o terror destruíram a visão otimista de meu irmão sobre o mundo e somente lendo suas cartas era Justificarpossível entender e sentir a emoção e a revolta que havia em seu coração. A guerra, essa forma monstruosa de disputa, mudou a vida de meu querido Lionel - de meu Dança-com-lobos, como o chamavam no exército - e estava prestes a mudar a minha.
JJ ao contrário não parecia exatamente assustado com o que vivia, em suas cartas ele dizia sentir que estava fazendo o certo, o necessário, nem mesmo parecia abalado.Talvez tenha sido esse excesso de coragem sua própria perdição.
Foi numa noite, em Setembro de 68, exatamente às oito horas, que a vida que eu conhecia recebeu um ponto final. Cheguei em minha casa após ter passado o dia com Cathy, e , para meu espanto encontrei o pai de JJ - digo espanto porque o vi somente uma vez em minha casa, então devia ser algo muito importante - ele parecia muito abalado, o que causou-me arrepio. Pediu que me sentasse e obedeci.
Com muita cautela o pai de JJ explicou-me que seu filho e Lionel haviam sido enviados para uma certa missão especial, mas esta fracassara e..."
Nesse momento precisei parar a narrativa, tamanho era o descompasso do meu coração, Matthew, igualmente abalado, encorajou-me a continuar e eu, com um nó terrível na garganta, prossegui.
"A missão falhara, a tropa foi atacada ferozmente, houve vários bombardeios e não fosse a chegada a tempo dos reforços não teria restado nenhum soldado americano. As lágrimas começaram a formar em meus olhos. Lionel se feriu levando um tiro na perna mas em pouco tempo se recuperaria, JJ não teve a mesma sorte. Quem chorava agora era ele. JJ recebera um tiro no peito, foi levado para a base e atendido às pressas, resistiu muito mais do que o esperado pelo médico, mas não foi o suficiente. JJ, o único homem que eu amei, estava morto.
Eu nem sequer consigo me lembrar de minha reação, acho que foi a pior de todas as minhas crises, havia tanta dor dentro de mim que chegava a me sufocar. Sei apenas que, cansada de tanto chorar, cai em minha cama e passei a noite toda num estado de transe, abalada demais para perceber qualquer coisa a minha volta".
Era o máximo que eu conseguia naquele dia, e Matthew percebeu isso. Secando suas próprias lágrimas, meu amigo abraçou-me - um abraço tão confortável como nenhum outro - e retirou-se.
Fiquei sozinha contemplando o teto branco, relembrando minha vida e tentando, em vão, entender o que acontecera comigo após aquela noite, o que acontecera com a Helena que Cathy, Lionel e JJ um dia conheceram.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Vietnã, algum dia a menos.

Você se lembra que eu lhe disse adeus antes de partir, Helena? Você se lembra que eu lhe disse adeus depois de você me dizer até logo?
Você se lembra de todas as outras cartas ( nem tantas) que lhe mandei manchadas de sangue, querida?Eu acho que as manchas eram minhas lágrimas. Ou quem sabe minhas mãos. Eu estou completamente, exaustivamente, eu estou farto de ser um monstro, Helena!
Eu lhe disse adeus e acho que foi prudente, porque esse ar é assassino. Não sei se culpo o ar ou os que respiram...
Eu estaria com uma arma apontada a mim mesmo - meu maior inimigo- se ontem não tivesse encontrado uma vida. E você sabe que toda vida que se encontra serve de combustível, não a tanques, mas a nossas almas de soldados.
Era um filhote de cachorro. Sozinho, rem raça. Como a maioria das pessoas e como eu me sinto agora, nesse nada. Estou cuidando dele, tentando protegê-lo do ar, queria levá-lo até outra atmosfera. Ele é uma parte de mim que renasceu, a parte viva. Como uma flor que ressurge das cinzas de um incêndio. Estou me sentindo uma fênix.
Você acredita que as coisas renasçam das cinzas, Helena? Eu passo a crer. E se há algo de belo na guerra, é isso.
Diga a Cathy que meu coração andou dimnuindo de tamanho mas que ela ainda possui seus metros quadrados, assim como você.
Acredito que queira saber de J.J.Ele diz que lhe escreverá daqui a alguns dias, quando a posta se reestabilizar. Assim farei eu também.
Não vou lhe perguntar a respeito dos protestos, porque de certa forma não lhe retiro a razão. E na verdade acho que o que me incomoda neles é que eles não me tirarão daqui.

Sinceramente,


Um Homem que Vive com Lobos ( e dança).

Pássaro de fuga. Boca Americana.

Os passáros batem asas fugitivas, porque fogem da mesmice. Os passaros não suportam voar o mesmo ar duas vezes. E duas vezes em um mesmo lugar não cai um raio, porque o raio tem mais locais a iluminar. Porque o raio precisa tocar o solo em outros quilômetros. Ele também não suporta uma mesmice.
Uma andorinha não faz verão porque o verão não se faz por uma causa só. O verão precisa chegar para esquentar mais almas. E uma alma perdida não se achará sozinha, porque ela está perdida e precisa ser encontrada. O filho pródigo estava perdido e foi encontrado. Então porque não matam o melhor cordeiro e preparam uma ceia?
O lobo se apaixonou pelo cordeiro não porque os opostos se atraem, mas porque os iguais se distraem, e eles eram iguais no fim de tudo: um correndo e outro fugindo, mas na mesma direção. Assim se distrairam, e trombaram.
Mas os passáros voltam para a mesma árvore mesmo sem suportar o mesmo ar. O raio cai duas vezes no mesmo lugar mesmo tendo milhas e milhas escuras. Uma andorinha aparece no verão mesmo vivendo em bando, e o verão aparece ainda assim. Uma alma perdida continua perdida porque ninguém sacrificou o cordeiro. E o lobo e o cordeiro continuam se caçando.
O mundo continua girando mesmo com um eixo invisível. Os polos continuam separados mesmo que as linhas sejam imaginárias.
Os passarinhos continuam engaiolados mesmo possuindo asas.
Os humanos continuam insensíveis, mesmo sendo o sentimento a única coisa imposta pelo arquiteto.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Súplica

Caro estranho,

Por favor, me chacoalhe, me balance, me empurre. Me estapeie, uma, duas vezes, ou uma vez em cada face: me acorde, me diga "já chega". Berre, escandalize, me curta, me doa, não me deixe morrer sem cicatrizes, não me deixe viver sem histórias, faça de mim seu teorema, sua prática, sua lágrima, me use como quiser, me conheça, me enfureça, me pare, me aqueça.

Leia Sidney Sheldon para mim, me invente, aceite, me mutile quando necessário... Não me fragilize, não me levante, ME ELEVE! Não abaixe os olhos, não, não agora. Reflita em mim todos os seus Shakespeares, com duas mil e onze rosas a receber, com coreografias na porta de casa, com aquele desespero lindo: me suspire, me despedace, me delire.

Vibre, relacione, esfregue, desfile para mim num espasmo, me faça sentir de novo todo o mistério de algo sincero, algo silencioso, louco. Não vire as costas, não pegue o ônibus. Volta, por favor. Não me deixa morrer assim...