quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Diálogo, Shakespeare .E cigarros.

-Ora essa, ora essa, chéry. Desconheço você.
Deu uma baforada no charuto. Puro, obviamente.Naturalmente toscano.Mas uma dama que se preze não perde a pose sequer em momentos esfumaçados. Não tossiu, nem demonstrou incomodo. Ao contrário, acendeu um cigarro, daqueles que se posiciona na ponta de algo parecido com uma batuta.
Abandonar o teatro logo no terceiro ato, cena I, de Hamlet não era coisa comum ou que passasse despercebida. Nem se tratando de um cavalheiro, quem diria de uma mademoiselle. Mas digamos que a senhorita em questão já vivia internamente um momento ser ou não ser, dispensando a máxima shakespeariana.
Montou uma expressão desdenhosa. Não a melhor que pode, pois necessitava ser pega na falsidade.
-E eu digo o mesmo de você, querido. Século vinte, ninguém se aventura em teatros. Apague o charuto.
O homem fingiu não escutar a ordem. Recostou-se na parede.
- É Shakespeare. Dispensa a contagem dos séculos. Como atua mal,você.
Ela riu-se. Forçosamente, diga-se de passagem. Tragou.
-Ou você percebe de menos, querido. Pois é exatamente por isso, Shakespeare ultrapassa a capacidade intelectual de 90% da população.
Calaram-se. Um casal de braços dados saiu do teatro e passou pelos dois.
-Como esses dois. Tolos.
-Conhece?
-Não. Mas a humanidade é previsível.
-Você se encaixa nesse grupo, chéry.
-Para toda regra há uma excessão.Sempre, destaca-se.
Riu da própria piada rápida. O cavalheiro não pode deixar de apreciá-la nesse momento.
-Você poderia ser grande, querida. Você poderia ser Rita Hayword.
Jogou o cigarro no chão. Ficou olhando apagar a labareda que ainda queimava por dentro. Ela.
-E você? Clark Gable?Não, eu poderia ser eu mesma. Eu poderia assistir Shakespeare.
Ele apontou para a entrada do teatro.
-E por que não o faz? Quer que lhe estenda um tapete?
-Sabe, Clark, isso seria previsível. Detesto pessoas previsíveis. Como você.
Disse isso, deu as costas ao ouvinte e tomou o caminho da calçada. Estacou.
-Tem mais?
Ele tirou um maço de cigarros do bolso interno do paletó. Jogou-lhe.
-Como sabe que eu fumaria mais de um esta noite?
Ele sorriu, arrumou o chapéu.
-Você é previsível querida, e comum. Você é previsível. E se odeia.





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