sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Fim, início ou eternidade?

Agonia. Sangue. Espada no chão. Escudo destruído. Armadura... Penetrada. Socorro.
A chuva bate em meu rosto, escorrega por ele, se confunde entre as lágrimas.
Levanto os olhos, examino a sombra com quem lutava. Grande e vil, insaciável e impiedosa.
Desisto. Soco a lama, grito aos céus “Levem-me para Valinor, levem-me!”. Deito e espero o manto negro.
Um silêncio mortal cai sobre a noite, não ouço chuva, não ouço trovões, não ouço rugidos.
Ouço... Ouço passos. Leves, delicados. Viro-me, uma áurea branca se aproxima.
Deita-se na lama comigo, não se suja. Na verdade, espanta a sujeira.
Abraça-me. Beija-me. Passa as mãos pelo meu corpo indefeso. Cura-me. Desmaio, atordoado.

Acordo. Sem escoriações, sem ossos quebrados, sem sangue, sem agonia, sem dor.
Lá está. A... criatura. “Olá” – digo – “Obrigado por me salvar”.
Não compreendo, aquilo correu. Fugiu quando agradeci.
Levantei e vasculhei. Vastos corredores claros de pedra. Uma fortaleza?
Não havia ninguém.
De repente, me encontro num jardim. Verde, fresco, florido, belo. Não sei como cheguei aqui.
Ouço passos leves, delicados. Era aquilo.
Sinto-me mal. Desembainho a espada, retiro o escudo das costas. Armo-me.
E lá está, a criatura que me salvou. Pequena e humilde, graciosa e bela.
A paisagem... O jardim... Está mudando a minha volta, escurecendo. Aquilo caminhando.
Escuridão nasce do brilho, fogo do verde, desespero da calma... Morte da vida?
Iluminados pelo fogo, enxergo destroços. Os grandes corredores destruídos, esquecidos.
A minha frente, a criatura. Se modificando. Do claro à sombra. De pequena à grande. Graciosa à vil. Bela à impiedosa. Humilde à insaciável.
E surge a sombra. Aquela sombra. Chegou o dia, este É o dia, jovem Hobbit, o dia em que a destrói.
Chuva apaga o fogo. A estrela de Eärendil em minha mão ilumina o local. Lá está, correndo.
Sou atingido, escudo destruído. Novamente. Esquivo-me um ataque após o outro.
Assim, sobrevivo. É matar ou morrer. Ah, devo fugir, senão morrerei. Corro.
Corro sem olhar para trás. Trombo com uma árvore. Um Ent. Para ser sincero. Vários deles. Não me deixariam ir, era essa a hora de enfrentar... Aquilo.
Volto. Tremo. Temo. Suo. Grito no interior. Aponto Eärendil na direção da coisa.
De nada adianta. Aquilo a tirou de minha mão, quebrou-a, a luz esvaiu-se e morreu na escuridão.
Não vejo nada. Um olhar perverso, talvez. Sons pelas minhas costas. Imaginação?
Sou derrubado. Grande ferimento em minhas costas.
“Covarde” – grito – “Enfrente-me como um soldado, elmo a elmo!”.
Levanto-me. Aparece em minha frente. Engrandece-se. Fortalece-se.
Ataca-me. Escorrego por entre suas pernas. Desvio de outro ataque. Defendo mais um.
Ferroada se trinca. “Tenho que terminar isso logo”, penso.
Desvio e escondo-me. Escalo.
Ataco-o por cima, sem dó. Com medo. Com dúvida, “Isto é o certo?”

Mas destruo-o. É o fim. Finalmente, o fim.
Pequena e Grande, Vil e Piedosa. Não importa, a criatura está morta.
Agora vivo a vida e espero a próxima. Ou a procuro. Por um fim em tudo, quem sabe?
Ou ter o meu fim.
Ou ter a eternidade.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mademoiselle



Ela está todo dia, naquela mesma taverna suja e escura, sentada no balcão com o olhar perdido. A Mademoiselle - como a chamo por falta de um nome verdadeiro - entra na taverna lá pelas onze da noite, e de manhã, quando eu chego, ainda está lá. Não sei quantas doses essa mulher já tomou, mas ela conserva, em parte, a sobriedade. Eu me sento ao seu lado e conversamos.
"Aqui não é lugar para um garoto!" ela diz , "nem para uma dama!" respondo. "Você não sabe de nada moleque...olha pra mim, veja todos esses brilhantes, esses trajes! Eu sou rica sabia?Posso tudo!...e no entanto...cá estou, perdida num copo de bedida, a qual nem sinto mais o gosto...Mas o que queria? É a única solução...não, a única solução é a morte, mas para isso falta-me coragem."
Perto dos seus cinquenta anos, Mademoiselle é uma mulher extremamente infeliz, insatisfeita, e , como muitos, afoga as mágoas na bebida. Eu sou seu ouvinte costumeiro, mas por mais que ela fale, nunca soube realmente o que lhe aconteceu...alguma frustração amorosa, algo relacionado a um casamento arranjado...Ela passa a mão pelo balcão engordurado, mostra um sorriso amargurado e sai.
Mais uma figura das entranhas de Paris, é essa Mademoiselle, mais uma personagem com seus sofrimentos, seus segredos, seus medos. É curioso como as pessoas dentro de suas singularidades conseguem ter sentimentos e razões tão comuns! Sublime paradoxo é o ser humano!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Lápis

Lápis. Um... simples lápis. Amarelo, número dois gravado em preto, Staples, ponta fina e resistente, parecido com aqueles de filmes americanos, faltando apenas à borrachinha rosa no topo que se extinguiu de tanto eu tentar apagar meus erros na vida, de tanto me frustrar não conseguindo.
Amarelinho no seu canto, ele me olhava pedindo para ser usado, escurinho no papel, ele pedia por clemência. Gritos silenciosos de sua boca muda quando eu o apontava para fazê-lo mais fino, mais... Melhor.
Tanto que escreveu esse lápis, meu lápis, tanto que leu, tanto que segurou minhas lágrimas e escutou meu choro. Tanto que... tanto que pediu silêncio. Me desculpe, eu não queria ser tão triste assim, você sabe e, ah, como sabe! Meu lápis amarelinho sabe de tudo.
E agora? Meu lápis amarelinho com número dois e Staples gravado em preto sem borrachinha rosa no topo está acabando. Às vezes penso que sou muito perfeccionista, ou que quero tudo do meu jeito... Afinal, a culpa é minha que eu apontei ele tanto para ficar com aquela ponta, que logo acaba, porque eu sei: ninguém, e nada, é perfeito. E nunca será, por mais que eu mude.
Coitadinho do meu lápis amarelinho sem borrachinha rosa no topo com número dois e Staples gravado em preto.  Ele que abraçou tanto a minha mão, ele que sempre me ajudou. Mas acho que ele está é agradecido por acabar, aposto que ele preferiria ter caído nas mãos de uma criancinha que nas minhas tristes, porque ele sabe que não pode fazer nada para me ajudar, que o seu grafite no papel não é o suficiente.
Realmente, meu lápis amarelinho sem borrachinha rosa no topo e com número dois e Staples gravado em preto, não era o suficiente! Nunca foi e nunca será. Mas, olhe, como você me ajudou, como me ajudou! E obrigado, meu lapisinho, eu o amo. Acabe em paz, eu sentirei sua falta, meu lapisinho sem cor, sem borrachinha no topo, sem grafite, sem madeira, sem nada... Você sumiu assim como apareceu.