domingo, 31 de março de 2013

Casinha branca

" Chora, menina, chora. Chora porque não tem vintém..."

A menina de vestido rendado, cantarolando baixo, espia, de tempos em tempos, pelo vidro da janela. Ninguém. Bate o pezinho no assoalho de madeira, arruma a cabeleira cacheada, se olha no espelho e volta à janela.

Ali, naquela mesma casinha branca, no meio das árvores, alguém dorme numa cadeira de balanço, os braços soltos, a cabeça baixa e a respiração tranquila. A chaleira apita no fogão, continua dormindo.
Na estrada de terra, próximo ao portão de madeira, surge alguém. De camisa simples, olhos fugitivos e sorriso fácil, ele a espera. 
O gritinho sufocado da menina quase a entrega. Ela passa sorrateiramente pela sala - profissional na arte da fuga - sem despertar o sono do outro morador da casinha branca, e sai ao encontro daquele que já a espera impaciente, para viver sua história de amor.
....Desaparece menino sorridente, desaparece menina da cabeleira, desaparece pessoa que dorme tranquila, cadeira de balanço, chaleira, estrada de terra, portão de madeira. Resta, apenas, uma casinha branca abandonada, no meio das arvores e do mato que disputa espaço com ela. Através do vidro empoeirado da janela, pode-se, somente enxergar, dentro da casa, um velho espelho quebrado.
Teria sido um lindo cenário,
para uma linda história. Ah, triste imaginação!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Just kidding.

     Você sabe de uma coisa, my dear, custei a crer de suas intenções. Sim, uma garota como você não anda por aí como se não tivesse nada a perder. Mãos abanando, como suas orelhas. Não, esse não é um lugar para pessoinhas como você, my dear.

    Se tivesse tanto intelecto quanto seu vocabulário sugere que tenha, eu juro que não reviraria os olhos nas órbitas quando você veste seu melhor boné de pedantismo. Desconfio das garotas que escolhem palavras antes de falar. Nem só de palavras vive o homem! Você sabe, é preferível cuspir palavras do que as polir demais. Soa tão plástico quanto seu cabelo.


quinta-feira, 28 de março de 2013

De médico e de louco

O velho trancou a porta do seu consultório, cansado depois de um longo dia de trabalho. Próximo dos oitenta anos, já tinha visto e vivido tanta coisa...Mas ainda se lembrava, com muita nitidez, de seu primeiro dia na faculdade. Cheio de sonhos e expectativas, um idealista! Salvaria vidas, curaria dores, brincaria de Deus, quem sabe? E mesmo quando a morte fosse inevitável, ainda estaria ali, segurando nas mãos do paciente, apenas para dizer: "Você não estará sozinho". O tempo passou, tornou-se médico, sofreu como ninguém as humilhações daquela tal de hierarquia, mas nunca, em nenhum momento, abandonou seus ideais.
O médico suspirou, afastando aquelas lembranças e, vestindo sua velha casaca amarrotada, seguiu seu caminho pela rua deserta e coberta de neve.
Próximo dali, um homem, envelhecido pelo sofrimento e não pelo tempo, caminhava descalço, tremendo de frio. Ele cantarolava ,baixinho, alguma música triste, parando, ás vezes, para falar com alguém que só ele era capaz de ver.Um velho de casaca, que passava do outro lado da rua, vendo aquela cena curiosa, resolveu se aproximar e reconheceu, naquele homem, um de seus pacientes.
Um dia aquele homem fora um gênio, um visionário. Era cheio de idéias e planos, enxergou o mundo como ninguém jamais fez, mas sua mente sensível não suportou o que viu, enlouqueceu. Assim, todos os dias ele saía de casa e caminhava sem rumo, tentando, em vão, organizar seus pensamentos e, quem sabe, encontrar uma solução para os males do mundo. Pobre criatura.
O médico já habituado,  pegou-o pelo braço conduzindo-o de volta para casa. Já não havia cura para aquele miserável, mas o médico não desistia, e ouvia, pacientemente, tudo o que tinha a dizer o pobre homem, pois no fundo, por mais estranho que parecesse, sempre era capaz de ver sentido naquilo tudo.
E caminhavam os dois, todos os dias pelas mesmas ruas. Um tentando ser médico, o outro fingindo ser louco.