quinta-feira, 28 de março de 2013

De médico e de louco

O velho trancou a porta do seu consultório, cansado depois de um longo dia de trabalho. Próximo dos oitenta anos, já tinha visto e vivido tanta coisa...Mas ainda se lembrava, com muita nitidez, de seu primeiro dia na faculdade. Cheio de sonhos e expectativas, um idealista! Salvaria vidas, curaria dores, brincaria de Deus, quem sabe? E mesmo quando a morte fosse inevitável, ainda estaria ali, segurando nas mãos do paciente, apenas para dizer: "Você não estará sozinho". O tempo passou, tornou-se médico, sofreu como ninguém as humilhações daquela tal de hierarquia, mas nunca, em nenhum momento, abandonou seus ideais.
O médico suspirou, afastando aquelas lembranças e, vestindo sua velha casaca amarrotada, seguiu seu caminho pela rua deserta e coberta de neve.
Próximo dali, um homem, envelhecido pelo sofrimento e não pelo tempo, caminhava descalço, tremendo de frio. Ele cantarolava ,baixinho, alguma música triste, parando, ás vezes, para falar com alguém que só ele era capaz de ver.Um velho de casaca, que passava do outro lado da rua, vendo aquela cena curiosa, resolveu se aproximar e reconheceu, naquele homem, um de seus pacientes.
Um dia aquele homem fora um gênio, um visionário. Era cheio de idéias e planos, enxergou o mundo como ninguém jamais fez, mas sua mente sensível não suportou o que viu, enlouqueceu. Assim, todos os dias ele saía de casa e caminhava sem rumo, tentando, em vão, organizar seus pensamentos e, quem sabe, encontrar uma solução para os males do mundo. Pobre criatura.
O médico já habituado,  pegou-o pelo braço conduzindo-o de volta para casa. Já não havia cura para aquele miserável, mas o médico não desistia, e ouvia, pacientemente, tudo o que tinha a dizer o pobre homem, pois no fundo, por mais estranho que parecesse, sempre era capaz de ver sentido naquilo tudo.
E caminhavam os dois, todos os dias pelas mesmas ruas. Um tentando ser médico, o outro fingindo ser louco.


Um comentário:

Fernando Filho disse...

Fenomenal!