terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quando as Flores não Desabrocham

Uma réplica à Dança Com Lobos referindo-me ao seu belo texto Quando os Diamantes brutos devem permanecer assim”.

A tese de tal texto se estrutura da seguinte forma: a autora elucida uma teoria própria, a da eternidade amorosa quando o plano físico não se intromete. Basicamente, afirma que um amor não-realizado, isto é, meramente espiritual, eterniza-se ao ser abortado do processo de realizar-se. Em contrapartida, um amor realizado, isto é, material, deve seguir o rumo dos amores vulgares, dos amores vãos: perder o vigor inicial e, então, acabar. Conclui-se disso uma relativa superioridade do amor não-realizado, espiritual, sobre o amor realizado, material.

Penso que tal lógica é demasiado idealista e que não se mostra fiel à realidade. Começando pela suposta intromissão do “plano físico”. Ora, devemos então acreditar que o amor surge numa esfera espiritual (num Mundo das Idéias platônico!) e que então o “plano físico” se intromete? Pois eu inverto tal relação. O amor surge no “plano físico”; o amor é uma manifestação própria do “plano físico”, é natural. A nossa cultura, de forma verdadeiramente admirável, coloca sobre esse fenômeno natural toda uma carga ideológica, todo um mundo espiritual a posteriori, toda uma essência criada posteriormente. Essa construção da nossa cultura nos leva a enxergar a coisa de modo diverso: acreditamos que essa carga cultural colocada sobre o amor é, na verdade, a origem do amor. Isso é um erro. E tal é o erro da lógica por trás da teoria da eternidade amorosa quando o plano físico não se intromete.

Cito, em meu favor, Jean-Paul Sartre em “O Existencialismo é um Humanismo”:

Ora, na realidade, para o existencialista, não há amor diferente daquele que se constrói; não há possibilidade de amor senão a que se manifesta no amor, não há gênio senão o que se exprime nas obras de arte; o gênio de Proust é a totalidade das obras de Proust; o gênio de Racine é a série das suas tragédias, e fora disso não há nada; porque atribuir a Racine a possibilidade de escrever uma nova tragédia, já que precisamente ele não a escreveu? Um homem embrenha-se na sua vida, desenha o seu retrato, e para lá desse retrato não há nada. Evidentemente, esse pensamento pode parecer duro para alguém que não tenha vencido na vida. Mas, por outro lado, ele dispõe as pessoas à compreensão de que só conta a realidade, que os sonhos, as expectativas, as esperanças apenas permitem definir o homem como sonho malogrado, como esperança abortada, como expectativa inútil.
[Negritos, evidentemente, meus.]

Devo afirmar, indo mais longe, que a disposição para que os amores permaneçam não-realizados revela um medo da realidade, um ódio à vida tal qual ela é naturalmente. A glória do amor não-realizado é a glória da vida não vivida, do prazer não experimentado, do conhecimento não adquirido, do poder não conquistado. É, em suma, o mito da castidade enquanto algo superior. A castidade: esse discurso de fracos para fracos, jamais proferido pelos fortes e pelos fortes ignorado.

O texto traz, ainda, dois exemplos. “Romeu e Julieta” e “Jack e Rose”, como amores não-realizados e eternos. Esses amores permanecem eternos na literatura. A vida não é vivida em literatura, por mais que sejam ambas belíssimas e relacionadas. Se Romeu e Julieta tivessem desfrutado do seu amor, seriam felizes. E, mesmo que tal amor acabasse, prefeririam isso à morte na frustração de um beijo frio, morto. A história não seria bela de se contar, mas seria mais bela de se viver. O mesmo vale para Jack e Rose, considerando o agravante de que Rose viveu décadas em dolorosas saudades. São belas histórias. Na vida dos outros.

A gota d’água que me fez escrever essa réplica é a última frase do texto, um ultraje à natureza: “...como o desejo de toda mãe é ter seus filhos eternamente bebês.” Em que mãe doente se inspira essa mãe genérica, essa toda mãe? Serão as mães tão perversas? Uma mãe saudável para um mundo saudável não pode ter tal desejo repugnante. Deve desejar que seus filhos cresçam fortes, saudáveis, plenos. Que se tornem belos jovens e nobres adultos. Que realizem a sua vida completamente. Não é admissível que uma mãe possa desejar que seu filho não viva a vida que lhe está reservada. O amor de mãe, possivelmente o maior de todos os amores, não permitiria tamanho egoísmo.

Tratei suficientemente de cada ponto e, portanto, encerro (abruptamente) aqui. Peço, todavia, frieza, frieza ao ler esse meu texto que, por respeito, fiz questão de livrar das meias palavras e dos rodeios: fui direto aos pontos, fui reto em minhas afirmações.

Atenciosamente,

Iral Levirc.

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