segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ensaio sobre nada em absoluto - part I

Ele precisava parar de fumar. Maximiliano Dyce III nasceu em uma tarde quente de verão  brasileiro. Nenhuma novidade em se tratando dos trópicos. Sua mãe deu a luz a um menino pequeno, com cabelos demais e olhos azul acinzentados.  É verdade também que não fora seu primeiro parto. Sim, porque Maximiliano Dyce  III era o mais novo de sete irmãos.  Todos saídos de sua mãe, o que até há alguns dias atrás ela custava a crer.
Seu pai, Maximiliano Dyce, era um importante cafeicultor que costumava fumar cinco cachimbos por dia, sem tirá-los da boca para falar, comer, ou qualquer que fosse as funções de uma boca.  E naquela tarde quente de verão nascera seu filho. Maximiliano Dyce III possuía esse curioso nome uma vez que descendia de ingleses - os Dyce, de Devon - como não dissemos anteriormente, tendo como antepassados viajantes curiosos da época memorável Del Rei.
 Como fosse seu nome comprido, enfadonho e inútil, passou a ser chamado por alguns, entre os quais sua avó, de ...terceiro.  A matriarca da família não nutria muitos sentimentos pelo neto, que ao seu ver era nada mais que um fracasso. Um grande fracasso. “ Um desmedido fracasso” em suas palavras.
A justificativa que dava a tanto rancor, era que Terceiro não estudara nem na Escola de Medicina nem sequer na de Direito. Tampouco era engenheiro. Sofria do pulmão e era fraco para as bebidas. Mas o maior desgosto da Sra. Dyce era que o neto lia poemas. Fazia pior: versava!
É sim, notavelmente, um desgosto. Não discordamos da Sra. Dyce que ler poemas não é uma coisa a qual contar para os vizinhos.  Mas o pobre Maximiliano tinha na época que começou a ler poemas, tão somente treze anos! Contados e recontados! Recontados porque era custoso crer que um garotinho tão franzino, tímido e delicado tivesse mais que nove.
O que me põe a falar nesse tom de uma família tão digna de pena é que eu era vizinha dos Dyce. Nascera na casa ao lado no mesmo dia de Maximiliano. Sim, na mesma tarde quente dos trópicos.  A única diferença é que eu não tinha um nome ridículo nem descendia de ingleses.  Minha família era conhecida por os Diaz. Sr e Sra. Diaz possuíam quatro filhos, três meninos e uma menina – eu. Sr. Diaz era um homem alto, com os cabelos muito bem penteados e brilhantes, e um bigodinho fino rente aos lábios. Fumara charutos e foi quem primeiro ofereceu um a Maximiliano. “ O charuto é o melhor amigo do homem” disse. Usava calças com pregas impecáveis, paletó e suspensórios. Aos sábados levava seus filhos ao circo ou ao parque de diversões e aos domingos ia a missa, devidamente acompanhado da mulher. Era republicano.
 A Sra. Diaz casara muito nova. Apesar de amar verdadeiramente o marido sempre almejou ser artista e viver para o mundo.  Filha de um banqueiro e uma escritora, nascera em berço de ouro e usufruiu da educação que todo rico “tem por direito,como dizia papai, apesar de eu dispensar esse meu direito” justificava-se. Mamãe não era uma mulher de sua época; pensava e muito a frente de seu tempo, sendo assim censurada pelo Sr. Diaz quando sua língua adquiria comportamento próprio em ocasiões não muito discretas.
O  Sr. Diaz ou simplesmente Fernando, para poucos ou ninguém, não era de todo machista; sabia reconhecer o talento às artes de sua esposa, mas por outro lado temo não me recordar se algum dia de sua vida ele lhe dispensou  palavras de incentivo. Não, contentava-se em abaixar o jornal que lia  quando ela lhe recitava algum verso no início da noite, e sem tirar o charuto da boca dizia “ admirável, querida. Certamente admirável”, apesar de eu sempre suspeitar que ele se referia ao balanço da Bolsa de Valores. Sim, porque papai era rico e investia grandes valores na maldita bolsa.
 E é nesse ponto que retomo aos Dyce. Papai e o Sr. Maximiliano Dyce  eram “amigos para negócios”, como eles mesmos diziam, abraçados de lado, cada um com seu respectivo fumo e  uma carteira muito cheia no bolso das calças. Eles formavam duas figuras curiosas nas noites em que nossos vizinhos no visitavam. Mamãe e Helena – a mulher do Sr. Maximiliano -  travavam longas conversas  a respeito da melhor forma de se cozinhar um bolo. Isso apesar de mamãe ser uma criatura razoavelmente culta, ainda era uma mulher da década de quarenta.
 Não é necessário dizer sobre o que os dois chefes de família discutiam incansavelmente durante horas a fio. Eu ficava observando os cifrões brotando-lhes da boca, dos olhos e seus bolsos estufando de minuto a minuto.
 Mas esses momentos em vizinhos já existiam antes de eu e Maximiliano ousarmos nascer. Mas pois que nascemos : ao dia 6 de janeiro, Dia de Reis. Eu, com três quilos e duzentos gramas. Ele, prematuro, com um quilo e novecentos, como a Sra. Helena repetiu centenas de vezes ao contar como superou admiravelmente bem a vinda de um bebê ao sétimo mês.

 E naquela tarde quente de janeiro de 1946 abrimos a porta para o mundo.

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