Ele precisava parar de fumar.
Maximiliano Dyce III nasceu em uma tarde quente de verão brasileiro. Nenhuma novidade em se tratando
dos trópicos. Sua mãe deu a luz a um menino pequeno, com cabelos demais e olhos
azul acinzentados. É verdade também que
não fora seu primeiro parto. Sim, porque Maximiliano Dyce III era o mais novo de sete irmãos. Todos saídos de sua mãe, o que até há alguns
dias atrás ela custava a crer.
Seu pai, Maximiliano Dyce, era um
importante cafeicultor que costumava fumar cinco cachimbos por dia, sem
tirá-los da boca para falar, comer, ou qualquer que fosse as funções de uma
boca. E naquela tarde quente de verão
nascera seu filho. Maximiliano Dyce III possuía esse curioso nome uma vez que
descendia de ingleses - os Dyce, de Devon - como não dissemos anteriormente,
tendo como antepassados viajantes curiosos da época memorável Del Rei.
Como fosse seu nome comprido, enfadonho e
inútil, passou a ser chamado por alguns, entre os quais sua avó, de
...terceiro. A matriarca da família não
nutria muitos sentimentos pelo neto, que ao seu ver era nada mais que um
fracasso. Um grande fracasso. “ Um desmedido fracasso” em suas palavras.
A justificativa que dava a tanto
rancor, era que Terceiro não estudara nem na Escola de Medicina nem sequer na
de Direito. Tampouco era engenheiro. Sofria do pulmão e era fraco para as
bebidas. Mas o maior desgosto da Sra. Dyce era que o neto lia poemas. Fazia
pior: versava!
É sim, notavelmente, um desgosto.
Não discordamos da Sra. Dyce que ler poemas não é uma coisa a qual contar para
os vizinhos. Mas o pobre Maximiliano
tinha na época que começou a ler poemas, tão somente treze anos! Contados e
recontados! Recontados porque era custoso crer que um garotinho tão franzino,
tímido e delicado tivesse mais que nove.
O que me põe a falar nesse tom de
uma família tão digna de pena é que eu era vizinha dos Dyce. Nascera na casa ao
lado no mesmo dia de Maximiliano. Sim, na mesma tarde quente dos trópicos. A única diferença é que eu não tinha um nome
ridículo nem descendia de ingleses.
Minha família era conhecida por os Diaz. Sr e Sra. Diaz possuíam quatro
filhos, três meninos e uma menina – eu. Sr. Diaz era um homem alto, com os
cabelos muito bem penteados e brilhantes, e um bigodinho fino rente aos lábios.
Fumara charutos e foi quem primeiro ofereceu um a Maximiliano. “ O charuto é o
melhor amigo do homem” disse. Usava calças com pregas impecáveis, paletó e
suspensórios. Aos sábados levava seus filhos ao circo ou ao parque de diversões
e aos domingos ia a missa, devidamente acompanhado da mulher. Era republicano.
A Sra. Diaz casara muito nova. Apesar de amar
verdadeiramente o marido sempre almejou ser artista e viver para o mundo. Filha de um banqueiro e uma escritora,
nascera em berço de ouro e usufruiu da educação que todo rico “tem por
direito,como dizia papai, apesar de eu dispensar esse meu direito” justificava-se. Mamãe não era uma mulher de sua época;
pensava e muito a frente de seu tempo,
sendo assim censurada pelo Sr. Diaz quando sua língua adquiria comportamento
próprio em ocasiões não muito discretas.
O
Sr. Diaz ou simplesmente Fernando, para poucos ou ninguém, não era de
todo machista; sabia reconhecer o talento às artes de sua esposa, mas por outro
lado temo não me recordar se algum dia de sua vida ele lhe dispensou palavras de incentivo. Não, contentava-se em
abaixar o jornal que lia quando ela lhe
recitava algum verso no início da noite, e sem tirar o charuto da boca dizia “
admirável, querida. Certamente admirável”, apesar de eu sempre suspeitar que
ele se referia ao balanço da Bolsa de Valores. Sim, porque papai era rico e
investia grandes valores na maldita bolsa.
E é nesse ponto que retomo aos Dyce. Papai e o
Sr. Maximiliano Dyce eram “amigos para
negócios”, como eles mesmos diziam, abraçados de lado, cada um com seu
respectivo fumo e uma carteira muito
cheia no bolso das calças. Eles formavam duas figuras curiosas nas noites em
que nossos vizinhos no visitavam. Mamãe e Helena – a mulher do Sr. Maximiliano
- travavam longas conversas a respeito da melhor forma de se cozinhar um
bolo. Isso apesar de mamãe ser uma criatura razoavelmente culta, ainda era uma
mulher da década de quarenta.
Não é necessário dizer sobre o que os dois
chefes de família discutiam incansavelmente durante horas a fio. Eu ficava
observando os cifrões brotando-lhes da boca, dos olhos e seus bolsos estufando
de minuto a minuto.
Mas esses momentos em vizinhos já existiam
antes de eu e Maximiliano ousarmos nascer. Mas pois que nascemos : ao dia 6 de
janeiro, Dia de Reis. Eu, com três quilos e duzentos gramas. Ele, prematuro,
com um quilo e novecentos, como a Sra. Helena repetiu centenas de vezes ao
contar como superou admiravelmente bem a vinda de um bebê ao sétimo mês.
E naquela tarde quente de janeiro de 1946
abrimos a porta para o mundo.