quarta-feira, 14 de março de 2012

Melodicamente

Quisera eu nascer compositor. E
das mesmas notas fazer sair um turbilhão de olhares. Se soubesse, comporia em
praça pública. Seria caricaturista de sentimentos a preço baixo. Se eu tivesse
nascido compositor comporia toda uma trilha para cada criança que visse, para
cada lágrima que caísse para cada poeta que amasse.
Se fosse eu compositor ficaria
surdo para ouvir da forma mais genuína cada nota. E se eu fosse tocaria pianos
invisíveis e de pianos invisíveis nasceriam pétalas de rosas.
Mas se eu não sou compositor,
quem me dera ter nascido um! Ter fingido ser um! Ser louco e acreditar que
sou...mas ai de mim pobre criança rica. Rica de nada, de espasmos nervosos por
não saber compor sequer palavras. Por não saber sequer do que se compõe seu
próprio eu.
Porque se tivesse nascido
compositor, comporia a mim mesmo. A começar pelo Lá e a terminar por qualquer sustenido. Porque se
tivesse nascido compositor, saberia que nasci para a lua, que nasci com alma e
que sou um motivo a mais para crer na existência de Deus.
Mas se eu o fosse, talvez não
admirasse tanto aqueles que são. Um artista nunca admite seu talento; e se
admite é porque o sente perder. Se eu fosse um compositor não quereria nada
além do que a satisfação de perceber a sincronia de cada nota escrita na
partitura ou nascida na tecla do piano.
Contudo não o sou. Não nasci
sendo e nem com o gene do aprender a ser. Escuto , então, na esperança de não
ser má ouvinte . Escuto na esperança que, de olhos fechados, entenderei os
sussurros baixinhos da letra falada em uma melodia sem voz. Porque alguém disse
uma vez que silenciando um pouco seu interior, é possível entender o interior
do compositor clássico.
Eis que fico com a tarefa de
ourives. E ai de mim pobre ourives, que tenta lapidar em suas próprias mãos o
ouro de uma sinfonia inteira!

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