segunda-feira, 9 de maio de 2011

Narrativa esquizofrênica.

-Feche as cortinas encarnadas.
Teve a leve impressão de que sua consciência lhe dava ordens. "Curioso". Fechou as cortinas, então. Tornou a sentar em sua poltrona e ficou a observar, no escuro que fosse, as franjas do tapete. Era persa, isso era. Comprara de por alguns contos de um mascate logrador.
O relógio, com o índio americano talhado , badalava de pouco a pouco. "Já chega, já", dizia consigo. "Daqui a pouco ei de escutar o toc-toc".
Dizia isso e concordava consigo mesmo. Ótima hipótese. Sim, senhor Marques, notável. Lembrou-se que na mezinha de canto havia um livro com palavras de Byron. Esticou o braço e já sentiu a capa.
-Não vai ler Lord Byron, vai?
Ai percebeu que era o índio que lhe falava. Não a consciência. "Por que não leria?"
- Ele falava sobre necrofilia. Já é um bom motivo.
"É literatura. Já é um bom motivo".
Começou a ler na escuridão. Tateando as páginas, assim como um cego.Não que não o fosse, bem sabe, de mente.
Com o canto dos olhos olhava furtivamente os raios lunares que viam espiar seus aposentos pelas frestas da cortina. "Curiosos". Foi até ela e certificou-se de que não sobrara nenhum espaço. Enquanto fazia isso, viu lá em baixo no beco, um gato magricela sentado frente a um rato. Pareciam conversar. Sim estavam. O rato parecia desesperado, apontando para uma direção. O gato curvava-se e aproximava-se do rato para escutar melhor seus grunhidos.
Provavelmente viram o sr. Marques e olharam para cima. Rapidamente ele fechou de todo a cortina antes que decidissem subir pedir satisfações.
- É isso que dá ser curioso, Sr. Marques - disse o índio.
" A curiosidade não chegou aos Apaches?" perguntou irritado.
-Não deu tempo. Mataram-nos antes. Agora, seu fosse o senhor me esconderia.
O homem ficou parado , no fundo da sala, encarando o índio de longe. Talvez tivesse razão. Pois é certo que logo escutaria o toc-toc.
- Mas o toc-toc do gato. E do rato, o que é pior.
"Ah cale-se. Escute: estão subindo".
-Tranque a porta.
Antes de trancá-la abriu uma festa de modo a ver o gato e o rato já subindo as escadas com as duas pernas de trás. Trancou-a, então. Não demorou muito para ouvir o toc-toc.
Toc-toc.
"Quem é?"
Mas ninguém respondeu. "Armadilha". Na certa.
Entrou em baixo da mesa equanto contava, por algum motivo, em números ordinais.
-Sabe que dia é hoje?
"Quarta-feira".
-Exato . É quarta. O relógio já bateu a hora morta. O toc-toc sabe? Você ouviu. Não era o gato nem o rato.
"Então era a hora morta na porta?"
-Não, era só a morta.

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